O PDX Loulé – Plano de Desenvolvimento do Xadrez em Loulé,
uma parceria entre a autarquia louletana e jogadores do concelho, já dinamiza a
modalidade na região. Prova disso é que 30 xadrezistas de seis nacionalidades,
residentes entre a Andaluzia e o barlavento algarvio, participaram no Torneio
de Abertura do PDX Loulé.
O Algarve sempre teve xadrezistas de eleição, sendo vários
os títulos individuais e coletivos que, ao longo das últimas décadas, foram
atribuídos pela Federação Portuguesa de Xadrez a jogadores e clubes do distrito
de Faro, onde, nos anos 90, os campeonatos nacionais de jovens se realizaram
anualmente.
Mas pode-se recuar muito, muito mais, no tempo para perceber
por que é que a relação entre a região e a modalidade, às vezes muito intensa,
outras mais espaçada, nunca foi radicalmente rompida.
O xadrez é um jogo milenar cuja origem não é claramente
conhecida. Há quem sustente que a sua raiz é o chaturanga – que significa
qualquer coisa como «As quatro divisões do exército» (a infantaria, a
cavalaria, os elefantes e as carruagens, comandadas pelo Rei coadjuvado pelo
seu conselheiro) –, jogo que se praticava no século VII na zona da atual Índia.
Daí chegou à Pérsia, onde ficou conhecido por chatrang, e quando esta foi
conquistada pelos árabes, o jogo espalhou-se pelo norte de África sob a
designação de shatranj.
O nome do jogo, tal como as regras, continuou a sofrer
alterações de acordo com a fonética e a ortografia dos povos que o receberam, e
o chaturanga, que no nordeste africano já era designado por shatranj, no
noroeste ficou conhecido por shaterej. Com a conquista da península ibérica, a
partir de 711, o shaterej foi pela primeira vez introduzido na Europa,
evoluindo em Al-Andalus para ajedrez e em Al-Gharb, o ocidente andaluz, para
xadrez.
Na Europa central e oriental, os pontos de contacto com
outras comunidades árabes fizeram com que o nome do jogo mantivesse uma ligação
à fonética original: a designação shatranj foi substituída por versões da palavra
persa shah (Rei) que também foi acolhida no latim (ludis scaccorum, jogo dos reis),
sendo o jogo conhecido atualmente na Itália por scacchi, na Holanda por
schaken, na Alemanha por schach. Em português, esta linha evolutiva também teve
influência na criação do glossário da modalidade: o famoso «Xeque!» é um aviso
dirigido ao sheik, o soberano, e o sempre desejado xeque-mate, de shah mate (o
Rei não pode escapar), determina o fim da partida.
Foi no Al-Andalus, território hoje integrado na Andaluzia e no
Algarve, que surgiram alguns dos mais destacados praticantes e teóricos do
jogo. Algumas fontes indicam Xannabus ou Xanbras (Silves? Estômbar? São Brás de
Alportel?) como local de nascimento de Ibn Ammar, poeta, político e xadrezista
que no século XI, ao vencer uma partida ao Rei Afonso VI de Castela, conseguiu
convence-lo a desistir de tentar conquistar a taifa de Sevilha, governada pela
família dos Abádidas.
A Península Ibérica, onde no século XIII surgiu uma das
primeiras obras escritas sobre o xadrez (Libro de los Juegos – Libro de
Acedrex, Dados e Tablas, mandado compilar pelo Rei Afonso X de Leão e Castela),
foi o local onde a modalidade foi mais pulsante até ao Renascimento, com uma
comunidade de xadrezistas encabeçada por Pedro Damiano, de Odemira, e Ruy
Lopez, de Segura, este último o inventor da célebre e actual Abertura
Espanhola. Com o apogeu do Renascimento, também o xadrez passou a bater mais
forte em Itália, com Paolo Boi, e depois, com o Iluminismo, a modalidade
atingiu novo apogeu em França, com Philidor.
- A infantaria do chaturanga deu origem ao peão (em alguns
países com o significado de soldado de infantaria, noutros, como na Alemanha (bauer)
e na Espanha (peón), de agricultor);
- A cavalaria indiana ficou associada aos cavalos (em algumas
línguas com o significado de cavaleiro (knight, em inglês), noutros como cavalo
de salto (springer, em alemão);
- Os elefantes deram origem aos bispos (em alguns locais,
aos bobos da corte – Fou, em francês -, aos mensageiros – goniec, em polaco -,
aos atiradores – strelec, na República Checa). Em Espanha, o bispo ainda se
chama alfil, de al-fil, o elefante);
- As carruagens tornaram-se torres (tour em francês; em
russo traduzem-se por navios (ladya), em indonésio como castelos (benteng), na Estónia
como vagões (vanker));
- O conselheiro/vizir passou a Rainha ou Dama (Donna, em
Itália), embora fora da Europa haja alguns países que identifiquem esta peça no
género masculino. Mesmo na Europa, na Estónia esta peça traduz-se por bandeira
(lipp). Na Rússia (ferz) e na Turquia (vezir) o nome da peça ainda está próximo
do firz original. No século XV esta peça ganhou mobilidade e alcance,
destronando a Torre como peça de ataque mais valiosa;
- O rei é que sempre se manteve rei, embora em alguns casos
com neologismos (no Japão é kingu, do inglês king).
É esta herança e intercâmbio cultural que o PDX Loulé
pretende divulgar e potenciar, bem como promover os benefícios associados à
prática da modalidade no âmbito da saúde mental e do processo de tomada de
decisões, tendo sido realizado, no dia 22 de maio, na Sala da Assembleia
Municipal de Loulé, o Torneio de Abertura do Plano de Desenvolvimento do Xadrez
em Loulé. Compareceram 30 xadrezistas, 10 Damas e 20 Reis, com idades entre os
8 e os 67 anos, representantes de seis nacionalidades diferentes (22
portugueses, 3 espanhóis, 2 alemães, 1 francesa, 1 holandesa e 1 brasileiro),
todos residentes entre a Andaluzia e o barlavento Algarvio, que desta forma fizeram
o primeiro lance na reativação do xadrez no Algarve.
Para a História, fica a vitória de Oliver Jurado Perez, do
Club de Ajedrez Esuri, de Ayamonte, ex-aequo com Javier Jesus, seu colega de
equipa. O pódio fechou com Gunter Diete, da ADC Faro. Pedro Martins, de Salir,
foi o estreante melhor classificado (4.º da geral), Tomás Mendes, de Loulé,
venceu no escalão de formação (6.º da geral) e Cláudia Monteiro, da AC Alte,
venceu o escalão feminino (9ª da geral). Os vencedores e os estreantes foram
presenteados com doces e bebidas regionais.
O passo seguinte passa pela constituição de novos órgãos
sociais na Associação de Xadrez do Distrito de Faro e, na próxima época, pelo
reforço do calendário desportivo e pela criação de novos núcleos de
praticantes. Entretanto, será realizado o I Circuito de Xadrez de Loulé, que
percorrerá as diversas freguesias do concelho, sendo disputado, em cada uma, um
torneio cujo resultado será integrado na classificação final do circuito.