O Algarve é
um berço de excelência de acordeonistas de casta superior, homens e mulheres
que bem cedo dão nas vistas nas principais competições internacionais, seja na
vertente mais clássica ou na de varieté.
Depois, uns mantém-se fiéis à sonoridade típica do acordeão – e isso não
implica limitar-se a ranchos folclóricos – outros são adeptos de experimentar
novos estilos, a solo ou em grupo, no fado, jazz, blues, no pop/rock ou na
chamada world music. Gonçalo Pescada
faz parte do segundo leque de virtuosos do acordeão, um verdadeiro estudioso do
instrumento e da música e um dos nomes mais consagrados do panorama nacional.
Entrevista: Daniel Pina
Gonçalo Pescada deu um fantástico concerto no Cine-Teatro
Louletano, no passado dia 31 de outubro, onde apresentou as obras mais
emblemáticas do percurso realizado no âmbito do programa de Doutoramento em
Música e Musicologia que tirou na Universidade de Évora, bem como a estreia
mundial de uma peça do conceituado compositor Christopher Bochmann. Ao longo de
quase hora e meia foi possível ouvir trabalhos de Sofia Gubaidulina, Luciano
Berio, Edison Denisov, Franco Donatoni, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg,
interpretados com mestria por este farense de 36 anos que ainda não deu
descanso à sua formação musical, iniciada no Algarve, seguindo-se o Instituto
Musical Vitorino Matono, em Lisboa, a Escola Superior de Artes Aplicadas, em Castelo
Branco e o Centre National et International de Musique et Accordéon, em França,
para além do já referido Doutoramento na Universidade de Évora, na vertente de
Interpretação.
Curiosamente, Gonçalo Pescada até entrou para a universidade
para estudar Economia, mas depressa se transferiu para o Curso Superior de
Música, na vertente de Acordeão, mal este abriu em Castelo Branco. Adivinha-se,
assim, que a música faz parte da sua vida desde pequeno, sempre incentivado
pelos pais, mas foi no teclado que deu os primeiros passos, aos sete anos.
Entretanto, quando entrou para o Rancho Folclórico Infantil de Albufeira, mudou
para o acordeão, mas pode-se dizer que o momento marcante aconteceu por volta
dos 12 anos, quando participou num concurso na Amadora. “Tradicionalmente, os
acordeonistas aprendiam por ouvido e eram poucos os que liam partituras e se
relacionavam com outros músicos. Naquela altura surgiu a notícia de que ia
abrir um curso oficial de acordeão, com as disciplinas de Formação Musical,
História da Música, Análise e Técnicas de Composição, Acústica, Coro, um
programa curricular completo e, no final, o Ministério da Educação passava um
certificado”, recorda. “Comecei a ter ligação com outros músicos, pianistas e
violonistas, e o repertório que estudei era mais direcionado para uma vertente
mais clássica e não tão popular, embora o acordeão tenha uma forte conotação
com a música tradicional no Algarve”.
Seguiu-se um período bastante agitado e difícil para o jovem
Gonçalo Pescada, que ia todos os fins-de-semana para Lisboa para tirar esse
curso no Instituto Musical Vitorino Matono, o que implicou igualmente um enorme
esforço financeiro da parte dos pais. “Levava os estudos bastante a sério, até
por causa dos sacrifícios que a minha família fazia para me dar essa
possibilidade, mas só depois de participar em competições internacionais é que
acreditei que esta podia ser a minha atividade principal, que o meu futuro
passava pelo acordeão”, admite. Contudo, concluído o 12.º ano, e como tinha
boas notas a matemática, ainda se matriculou em Economia, antes de rumar a
Castelo Branco, para a Escola Superior de Artes Aplicadas.