De repente, André Guerreiro
ficou «mais conhecido que o burro do cigano», com direito até a participação
num programa da tarde da SIC, tudo por causa de uns vídeos publicados na
internet onde recupera algumas das tradições orais do Algarve. Mas esta paixão
pelas raízes culturais do antigamente fazem parte da vida do jovem de São
Bartolomeu de Messines desde tenra idade, não fosse ele também membro do rancho
folclórico local e conselheiro técnico da Federação do Folclore Português.
Texto: Daniel Pina |
Fotografia: Daniel Pina
Natural de São Bartolomeu de Messines, André Guerreiro,
acabado de completar 20 anos, passa a maior parte do tempo em Beja, onde está a
tirar o curso de «Culturas Regadas» na Escola Superior Agrária de Beja. A
agenda do jovem tornou-se, contudo, bem mais agitada nos últimos tempos por
causa de uns vídeos colocados na plataforma online vimeo, do projeto «A Música Portuguesa a gostar dela própria», onde
interpreta lengalengas e outras tradições orais e da música popular algarvia.
“Desde os 15 anos que faço gravações com as pessoas mais idosas do concelho,
por pensar que seria uma pena perder-se todos os saberes que elas possuem, as
recordações das coisas que faziam antigamente. Comecei a pedir-lhes também
peças de roupa que usavam na sua juventude”, conta em início de conversa.
Entretanto, a entrevista, que decorria numa esplanada de
café perto da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines, é interrompida
por breves minutos para André cumprimentar a senhora Noémia, uma interrupção
que viria a repetir-se porque, de facto, toda a gente parece conhecer o jovem e
o jovem também é rápido em dar o «boa tarde» a toda a gente. “Como eu não tinha
muita experiência com estas coisas de gravações de vídeo, falei com o Tiago
Pereira, do projeto «A Música Portuguesa a gostar dela própria», e desde ai
nunca mais parámos. As lengalengas já sabia, as pessoas gostaram imenso
daquilo, até fui à televisão”, retoma a conversa, garantindo que sempre foi
muito ligado aos mais idosos. “Há pessoas que ninguém lhes chega ao pé, nem os
filhos. Vou visitar muita gente ao lar, dá-me dó elas estarem lá sozinhas”,
revela, com tristeza na voz.
Membro do Rancho Folclórico de Messines, André Guerreiro
toca, canta, dança, ao mesmo tempo que é conselheiro técnico na Federação de
Folclore Português, e cedo constatou que a sua geração só se preocupa com os
computadores, telemóveis e internet. Talvez por isso, muitas tradições se
tenham perdido no passado recente, precisamente porque os mais novos não se
interessam por elas. “Por isso é que digo sempre às pessoas aqui da freguesia
que, se conhecerem alguém com esses conhecimentos antigos, me digam. Nunca fiz
diferenciação entre jovens e velhos, sempre me dei com toda a gente e sempre
fui acarinhado por todos”, garante o «André do Acordeão» ou o «André do
Carnaval», como também é conhecido na zona.
De repente, mais uma interrupção, desta vez é o senhor
Sebastião que quer saber das novidades. Retomada a conversa, André Guerreiro
afiança que ainda persistem muitas destas tradições antigas em Messines, basta
procurar por elas. “Ainda há dias fomos gravar uma senhora de 94 anos. Vou
descobrindo mais pessoas porque ando muito no terreno”, indica, lembrando que,
no princípio, eram os bailes de roda que o cativavam. Depois, foi decorando as
lengalengas que lhe ensinavam e tem um verdadeiro manancial na sua memória.
Espólio que inclui igualmente formas de dançar de outros tempos, andamentos de
música que estavam perdidos no esquecimento. “Eu e o Tiago gravamos, por
exemplo, um cantar de saias que as senhoras faziam quando iam para o Alto
Alentejo. Ando frequentemente por Messines, São Marcos da Serra, Azilheira e
alguns desses senhores viram-se na internet e já me pediram para voltar, querem-me
apresentar outras pessoas. É gratificante saber que os mais antigos dão valor a
esta recolha, que contam aquilo que sabem sem qualquer problema”, destaca o
entrevistado.